O PODER DA EXPRESSÃO EM IMAGENS POÉTICAS
Por Erika Phillips Salinas
O primeiro livro de poemas de Nane Pereira, Particularidades, é breve em quantidade, mas é grande e profundo no conteúdo. Os poemas tem a singularidade de ser locais e universais, ao mesmo tempo, pelos conflitos humanos que ela canta: morte, solidão, a verdade verdadeira… Será que existe? Nane canta ao Ser e a Nada em: PROTESTO, O GRITO e em IRA. A procura da verdade íntima em DESABAFO. IRA é um grito de liberdade apresentada não como um caminho sem saída porque ao final diz: todos querem sentir… entender o motivo de tantas flores. Aqui voltamos a acreditar na beleza da existência da mulher e do homem na terra.
A critica à maleabilidade da mente humana, o tema das ideologias introduzidas ao ser humano desde crianças, aproveitando que não temos como nos defender e tragamos prejuízos sem mastigar, pensamentos que mudam a existência humana até não saber quem realmente somos em nosso agir cotidiano. Onde estou? Como foi que me conduziram ao ponto aonde cheguei sem tê-lo escolhido eu mesmo? O sentimento de ter vivido uma vida errada sem recuperação possível em LUA CRESCENTE LUA MINGUANTE e em ACASO.
Nesta breve crítica vou me deter em alguns poemas lançados à sorte, citando versos para destacar o sentir de Nane:
ACASO
À vezes, tentamos
fugir de nosso destino,
até que ele nos encontra
e nos leva pela mão.
A impossibilidade de participar, de ser criativo e de sair do caminho predeterminado pela sociedade imperante. Perda da essência do individuo.
NOITE, poema “retrô” com volta ao soneto, mais mantendo o modernismo do início do livro. O último verso que fecha o poema é surpreendente pelo ritmo da linguagem:
Velha roupa,
Pés descalços,
Braços pendidos.
Caiu no poço,
Sono profundo,
Cores sem sentido,
Uma viagem de retorno aos seus antigos fantasmas.
O GRITO é uma explosão da alma. É um poema isolado, se aparta do tom dos outros. Parece o solilóquio dum drama, por isso é que os lugares comuns estão bem usados. Está na mesma altura dos outros poemas que são mais metafóricos, contudo é particularmente belo.
Ah! não me venhas…
Quem és tu ó ser mortal…
Chega
Deixa-me em paz,
Por favor!
CINZA CEGO, este poema dá para uma canção pelo ritmo, compás e comprimento das palavras. É um flash de tristeza frente a frente a si mesmo.
Triste espelho esse meu
repete tudo que já sei de cor
vomita excessos.
FERRUGEM, poema profundo. Dizer tanto em quatro versos é arte. Aqui nem sobra nem falta nada; é a comunicação em poucas palavras.
Essa cor meu bem
Vem das palavras
Que tu não disseste
E que eu acreditei.
HILDA ROSA, pensamento poético especial, acrescentado pelo malabarismo da linguagem no jogo de palavras musicais.
A poesia sossega
O desassossegado
Que habita em mim.
PRECE, poema ecológico. Destaca a importância da experiência do passado comparada com um presente descartável, a destruição do planeta e a solidão eterna.
O ancião já dizia:
-Não abuse do mundo pois ele abusará de você.
Dito e feito.
Abusei do mundo e ele abusou de mim
Tornamo-nos solitários.
CONFLITO, a solidão, a incapacidade de ser EU e, a vida breve. A morte, sempre ameaçando interromper os sonhos que tínhamos pensado atingir com toda a alma.
Tempo turvo,
folhas que morreram de sede.
EM CIMA DO MURO, o medo à liberdade que sempre está rondando aos seres humanos, o medo a viver como autores de nossa própria existência.
Enquanto
não
tomo
partido
Os
partidos
me
tomam.
ENCONTRO é um brinde com a morte:
Digam à morte, meninos de asas negras,
que me aguarde mais um pouco
e beberemos juntos
o melhor dos vinhos.
Este livro é uma exposição de hermetismo da alma, que se desabrocha como uma flor frente ao mundo materialista e consumista, onde o lucro tem passado a representar ao espírito e à sensibilidade e aonde a pessoa vale mais pelos objetos materiais que possui.
As fantasias feitas em imagens finas como a névoa, sempre em suspenso, são que conformam a qualidades dos poemas de Nane. A metáfora sutil e a criação verbal que decorrem na vida integral do homem são o que dão originalidade aos poemas, em uma atmosfera poética e genuína.
Erika Phillips Salinas
Poeta, contista e ensaísta chilena.
Professora de Literatura da Universidad de Chile
Nane e Erika Phillips, na sua visita ao Brasil, em Florianópolis, janeiro de 2010.